segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Explicação do ícone da Virgem da Ternura


"Maria, contudo, conservava cuidadosamente todos esses acontecimentos
e os meditava em seu coração"  (Lc 2,19)

O ícone da  Virgem da Ternura nos faz mergulhar no profundo mistério da união íntima entre Jesus e a Virgem Maria. Na igreja oriental os ícones são compreendidos com o mesmo valor de sacralidade das Sagradas Escrituras, por isso, para eles, o ícone não é pintado, mas escrito por um iconógrafo, que, após passar um longo período meditando um texto bíblico, acompanhado de jejum e oração, escreve-o (pinta) sobre a madeira.


O ícone que está na capa deste livro é a reprodução de um ícone original que foi adquirido em Éfeso, na Turquia, no local que é conhecido como “A casa de Nossa Senhora em Éfeso”. Nessa casa, segundo revelação a uma grande mística chamada Anna Catherina Emmerick, foi para onde o discípulo João levou a Virgem Maria após a morte de Jesus e ali morou durante alguns anos. Hoje a casa tornou-se um lugar de peregrinação, que tive a oportunidade de visitar em 2014. A essa casa também peregrinaram o Papa Paulo VI, o Papa João Paulo II e o Papa Bento XVI. 


A casa é bastante simples e o ambiente ao redor é muito bonito, em cima de uma colina, nos fazendo experimentar uma grande paz, unida a uma profunda devoção (ver foto na contra-capa).


Nos deteremos agora no ícone em si. Ele é um tríptico, isto é, dividido em 3 partes ligadas por dobradiças. Na parte central está a Virgem Maria com o menino Jesus nos braços. Do lado esquerdo de quem olha, está o Arcanjo Miguel vestido com uma túnica vermelha. Do lado direito, completando o tríptico, está o Arcanjo Gabriel vestido de túnica azul. 


Ao contemplarmos esse ícone, nossos olhos são atraídos, ora para o olhar terno da Virgem Maria, ora para o rosto do Menino Jesus, colado ao rosto de sua mãe. Esse movimento de atração se completa pela ação da mão esquerda da Virgem Maria, direcionada a seu Filho. Essas três imagens sintetizam a mensagem principal deste ícone, ao qual nos dedicaremos a meditar. 

Comecemos pelos rostos colados da mãe e do Filho, que revelam uma grau de intimidade que jamais foi alcançado por qualquer criatura, seja do céu ou da terra. O rosto é o sinal da nossa identidade, é aquilo que mais demonstra quem somos. Jesus, ao encostar seu rosto no rosto de sua mãe, a transfigurou, isto é, transmitiu a luz de sua identidade divina. A mesma luz revelada no Monte Tabor, quando Ele convidou Pedro, Tiago e João a subir e no alto do monte começou a rezar e se transfigurou diante deles (cf. Lc 9,28-36).

 
A transfiguração de Jesus no Monte Tabor é a manifestação da sua identidade divina. Essa manifestação se deu através de um mistério de luz, beleza e Palavra: a luz, que revela sua natureza divina; a beleza, que atrai o ser humano e é a única que pode saciar o anseio de beleza que existe no seu íntimo; a palavra do Pai, que do meio da nuvem, diz: "este é meu Filho muito amado, ouvi-O" (Lc 9,35). 


Ao permanecer com o rosto colado com Jesus, a Virgem Maria foi transfigurada em beleza. Ela, docilmente, permitiu, pelo seu sim, que a beleza de Cristo se impregnasse nela. Este sim é testemunhado no ícone pela presença do Arcanjo Gabriel – à esquerda da Virgem, vestido de azul – pois foi ele quem anunciou à Virgem Maria o plano do Pai de que ela seria a mãe do Salvador. E ela respondeu: "eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a vossa palavra" (Lc 1,38). 


O sim da Virgem não ficou restrito ao momento da Anunciação. Vemos isso em todo o evangelho da infância, no evangelho de Lucas (cf. Lc 1-2); depois, nas Bodas de Caná (cf. Jo 2,1-12), no evangelho de João, quando ela introduz Jesus na sua missão; e por fim, ainda no evangelho de João, ela está de pé, ao lado da cruz de Jesus, em fé ardente, esperança firme e caridade transbordante (cf. Jo 19,25-27). Nesse ícone toda a vida de união da Virgem Maria com seu filho está sintetizada na imagem dos dois rostos unidos.

A presença do Arcanjo Miguel – vestido de túnica vermelha – nos remete a passagem do livro do Apocalipse, que fala de “uma mulher vestida de sol” (cf. Ap 12), que os padres da Igreja sempre identificaram com a Virgem Maria; e o sol, o próprio Jesus, aquele que é o Sol da justiça. Assim, a mulher vestida de sol, está transfigurada em Cristo. Ela, desta forma, não transparece a si mesma, mas um Outro, o próprio Cristo. E a frase de São Paulo, na carta aos Gálatas, chega a seu ápice na pessoa da Virgem Maria: “já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20).

É por isso que a Virgem Maria é a toda bela, por refletir a beleza de Cristo sem nenhuma ruga ou mancha. Nesses dois mil anos de fé cristã, vemos que essa beleza atrai os corações, porque no coração humano há uma irresistível atração pelo belo. Contudo, pela ferida do pecado, esta atração foi direcionada para belezas menores e, muitas vezes, fugazes. A Virgem Maria é, assim, um caminho autêntico para recuperarmos o verdadeiro caminho da beleza e atrair nossos sentidos e nossa inteligência  para Deus.

Agora nos deteremos no olhar da Virgem da Ternura. Ela transmite uma ternura ao nosso coração que é capaz de vencer sua dureza, raivas, agressividade e toda e qualquer forma de amargura. Esse olhar é fruto de sua união com seu Filho, especialmente nos momentos mais dolorosos, e nos faz lembrar a profecia de Simeão na apresentação do Menino Jesus no templo, quando ele diz: “quanto a ti, uma espada transpassará sua alma” (Lc 2,35). Apontando que a missão da Virgem Maria era estreitamente unida à doação de vida do seu Filho.

A ternura é a virtude daqueles que vivem os sofrimentos e as contradições desta vida com espírito de fé e assim deixam-se consolar pelo próprio Deus. É isso que vemos nesse ícone: Jesus que abraça a Virgem Maria para consolá-la, e ela se permite ser consolada plenamente. É esse movimento que faz com que ela se torne toda terna. O sofrimento, quando é rejeitado e não vivido na perspectiva da fé, gera revolta e a consequência é a amargura, que é o contrário da ternura.

A ternura da Virgem Maria é o que atrai os sofredores, os fracos e os pecadores, porque ela é a mãe da ternura. É essa a experiência que vemos em todos os grandes Santuários Marianos do mundo, onde aconteceram aparições da Virgem Maria, como: Guadalupe, no México; Fátima, em Portugal; Lourdes e Salete, na França. E também em santuários que, por alguma intervenção milagrosa de Deus, a imagem da Virgem Maria foi achada, como: Aparecida, no Brasil e Montserrat, na Espanha. Além de outros Santuários Marianos que também atraem grandes multidões. Em todos esses percebemos o poder de atração que a ternura da Virgem Maria tem sobre nós, os nossos afetos e a nossa vontade.

O olhar da Virgem da Ternura nesse ícone nos atrai e conforta no meio das dores da nossa existência e nos remete para Aquele que pode nos consolar. Sendo assim, a devoção a Nossa Senhora é a forma mais humano de nos aproximarmos de Deus, porque nela encontramos uma de nós, que se deixou transfigurar plenamente por Cristo.

Por fim, nos deteremos na mão esquerda da Virgem da Ternura que aponta para Jesus. Podemos dizer ainda mais: nos oferece Jesus. Ao contemplarmos o ícone, nosso olhar fica atraído para o olhar da Virgem e para o movimento de suas mãos, que nos oferecem o Menino Jesus que está nos seus braços. E nessa experiência, misteriosamente, Jesus é concebido naquele que contempla o ícone. Assim, a Virgem Maria continua sua missão recebida na anunciação: gerar Jesus. Como nos diz São Paulo: “os dons e o chamado de Deus são irrevogáveis” (Rom 11,29).

A missão da Virgem Maria é continuar gerando Jesus misticamente nos nossos corações, para que Ele possa: pensar, sentir, falar e agir em nós e por meio de nós, até que também nós possamos dizer como São Paulo: “já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20).

Peçamos que o Espírito Santo, por  meio do sim da Virgem Maria, gere Jesus nos nossos corações, para que Ele possa viver plenamente em nós. Este ícone é um caminho privilegiado para que esse processo se realize, por isso nos demoremos diante dele, contemplando-o em espirito de fé, acolhendo a ação do Espirito Santo e também dando o nosso sim a esta obra de transfiguração de Cristo na nossa vida.


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