O Movimento da Transfiguração tem na sua identidade uma profunda influência da tradição da Igreja Oriental. Isso é percebido pela dimensão iconográfica, na maneira de perceber a liturgia e no processo pedagógico da conversão, seguindo o caminho da transfiguração do coração.
Para melhor mergulhar na compreensão da Transfiguração do Senhor, segue abaixo um comentário de um sacerdote da Igreja Oriental sobre a Transfiguração:
“Os evangelistas sinóticos – Mateus, Marcos, Lucas – narram o evento da Transfiguração de modo quase idêntico: Jesus toma consigo Pedro, Tiago e João – os dois últimos são irmãos -, mais vezes companheiros seus privilegiados «porque eram mais perfeitos do que os outros», afirma S. João Crisóstomo; Pedro, porque amava a Jesus mais do que os outros, João porque era amado por Jesus mais do que os outros, e Tiago porque se unira na resposta do irmão: «Sim, podemos beber do teu cálice» (cf. Mt 20,22).
Jesus os conduz à parte a uma “alta montanha”, lugar por excelência das manifestações divinas; dirá a Tradição: o monte Tabor. Ali ele aparece radiante de uma luz esplêndida que emana “tanto de seu rosto brilhante como o sol” como de suas vestes – obra do homem, da cultura humana – e se irradia pela natureza circunstante, como o mostram os ícones.
Moisés – a lei – e Elias – os profetas – aparecem e conversam com Jesus. A primeira aliança aponta para a última. Lucas precisa que a conversa tem como tema o êxodo, a partida do Senhor. Pedro, em êxtase, sugere construir três tendas, na esperança de poder permanecer longamente naquele estado. Mas tudo está envolvido pela “nuvem luminosa” do Espírito, da qual ressoa no coração dos três discípulos agitados, prostrados com a face por terra, a voz do Pai: “Este é o meu Filho, o amado, escutai-o!”. Depois, tudo desaparece, e permanece Jesus, sozinho, que ordena aos três guardarem segredo a respeito do que tinham visto, “até que o Filho do homem ressuscitasse dos mortos”.
A partir do fim das perseguições romanas contra os cristãos, no século IV, foram edificadas diversas igrejas no Tabor. Sua dedicação parece estar na origem da festa que, a partir do VI século, difundiu-se por todo o Oriente Médio. No calendário ocidental foi estavelmente introduzida em 1457, pelo papa Calixto III, como reconhecimento pela recente vitória contra os turcos. Os evangelhos não permitem fixar, no ritmo anual, uma data para a Transfiguração. Com a intuição cósmica que o caracteriza, o Oriente fixou a data de 6 de agosto, grande meio-dia do ano, apogeu da luz do verão. Nesse dia se abençoam os frutos da estação; muitas vezes, nos países da bacia do Mediterrâneo, é a uva o fruto por excelência abençoado. O Ocidente, menos sensível ao alcance espiritual do acontecimento, mesmo conservando a festa da Transfiguração em 6 de agosto, preferiu acrescentar uma segunda celebração antes da Páscoa, no segundo Domingo da Quaresma, de tal modo seguindo mais de perto a cronologia da vida de Jesus.
No Oriente, a festa põe o acento na divindade de Cristo e no caráter trinitário de seu esplendor. “Conversando com Cristo, Moisés e Elias revelam que ele é o Senhor dos vivos e dos mortos, o Deus que tinha falado na lei e nos profetas; e a voz do Pai, que sai da nuvem luminosa, “dá-lhe testemunho”, recita a liturgia bizantina.
Contudo, a Transfiguração não é um triunfo terreno, que Jesus sempre rejeitou em sua vida – e aqui está o erro de leitura de Calixto III; nem mesmo é uma emoção espiritual para degustar – eis o erro de Pedro. É um lampejo, um esplendor daquele Reino que é o próprio Cristo, uma luz que é também a da Páscoa, do Pentecostes, da parusia quando, com o retorno glorioso de Cristo, o mundo inteiro será transfigurado.
Moisés e Elias, já o dissemos, falam com Jesus a respeito de sua partida, de sua paixão: apenas esta última fará resplandecer a luz, não no cume do Tabor, a montanha que simbolicamente representa as teofanias e os êxtases, mas no próprio coração dos sofrimentos dos homens, de seu inferno e, enfim, de sua morte. A liturgia ainda nos ajuda a entender: “Ouvi – diz o Pai – aquele que através da cruz esvaziou o inferno e dá aos mortos a vida sem fim”.
Para a teologia ortodoxa, a luz da Transfiguração é a energia divina (de acordo com o vocabulário precisado no séc. XIV por Gregório Palamas), isto é, o resplandecer de Deus: o mesmo Deus que, enquanto permanece inacessível na sua “supra-essência”, se torna participável aos homens por uma loucura de amor. Daqui a compreensão da importância desta festa para a tradição mística e iconográfica.
O resplandecer, o esplendor divino é tal que joga por terra, na montanha, os apóstolos. Mesmo assim, no Tabor ele permanece uma luz externa ao homem. Ora, ela nos é doada – como centelha imperceptível ou rio de fogo – no pão e no vinho eucarísticos. Então nossos olhos se abrem e nós compreendemos que o mundo inteiro está impregnado dessa luz: todas as religiões, todas as intuições da arte e do amor o sabem, mas foi necessário que viesse o Cristo e que nele acontecesse aquela imensa metamorfose – assim os gregos denominam a Transfiguração – para que enfim se revelasse que, à nascente dos veios de fogo, de paz e de beleza presentes na história, existe, vencedor da noite e da morte, um Rosto.
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