O nosso texto de hoje faz parte de um texto ainda maior que é o diálogo de Jesus com Nicodemos (cf, Jo 3,1-21). Nicodemos era um fariseu que procurou Jesus no meio da noite. O texto começa fazendo referência a um episódio do Antigo Testamento, quando o povo ainda caminhava peregrino no deserto, rumo à terra santa. O texto diz: “Então o Senhor enviou contra o povo serpentes ardentes, que morderam e mataram muitos. O povo veio a Moisés e disse-lhe: ‘Pecamos, murmurando contra o Senhor e contra ti. Roga ao Senhor que afaste de nós essas serpentes.’ Moisés intercedeu pelo povo, e o Senhor disse a Moisés: ‘Faze para ti uma serpente ardente e mete-a sobre um poste. Todo o que for mordido, olhando para ela, será salvo.’ Moisés fez, pois, uma serpente de bronze, e fixou-a sobre um poste. Se alguém era mordido por uma serpente e olhava para a serpente de bronze, conservava a vida”. (Nm 21, 6-9)
Com essa referência, podemos compreender dois aspectos fundamentais no evangelho de João, sobre a cruz de Jesus: primeiro, que a cruz é o trono de Jesus aqui na terra, onde ele é “enaltecido” e “glorificado”; segundo, que essa glorificação é o meio da salvação da humanidade. Assim como a serpente foi elevado sobre uma haste e todos os que olharam para ela foram curados, Jesus, ao ser elevado na cruz, torna-se causa de salvação para todos os que o contemplam.
A cruz é o momento de maior revelação daquilo que Deus veio trazer ao mundo e isso se torna evidente com a frase central do texto: “pois de tal modo Deus amou o mundo, que deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não morra, mas tenha a vida eterna”. Na cruz está a grande revelação de quem é Deus e de como ele age; e todo o evangelho de João está centrado nesta “hora” de grande revelação que é a cruz.
A cruz, como a grande revelação de Deus aos homens, tem como consequência uma necessidade de resposta diante desse dom sem limite que é o amor de Deus revelado em Jesus crucificado. Esse dom radical de Deus para com a humanidade exige uma decisão, também radical, de crer em Jesus.
Percebemos nesse texto algo profundamente significativo: “de fato Deus não enviou o seu Filho ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele”. Então, na verdade, o julgamento não é feito por Deus, mas pelo próprio ser humano quando toma posição diante do fato do dom de Deus revelado em plenitude na pessoa de Jesus crucificado. No evangelho de João esse julgamento não é só no último momento da vida humana, mas é também no presente. A cada momento da existência humana, a Palavra de Deus interpela para que ele tome posição.
A conclusão do nosso texto é com uma linguagem tipicamente joanina, através dos símbolos da luz e das trevas. Jesus é a luz que veio ao mundo e o julgamento se dá no ato de quem acolhe ou rejeita esta luz. A ênfase não é moral, no sentido de quem tem quedas ou pecados ou pelo número deles, mas na opção fundamental daqueles que amam a luz, ou seja, acolhem a Jesus; ou dos que odeiam a luz, em outras palavras, rejeitam a Jesus.
A compreensão referente a cruz que é especifica do evangelho de João, pode nos ajudar a tirar uma imagem reduzida da cruz como unicamente sofrimento. Vimos que a cruz é “enaltecimento” e “glorificação” de Jesus, porque a glória de Deus é amar o homem em plenitude. Na cruz, Deus faz o seu grande ato de doação ao homem.
Precisamos mergulhar neste aspecto revelador da cruz de Cristo, tanto para experimentarmos esse amor, como para podemos manifestar o nosso amor aos nossos irmãos e irmãs, fazendo da nossa vida uma autêntica doação aos que estão sobre a nossa responsabilidade, aos que estão próximos e, principalmente, aos mais necessitados. Estaremos verdadeiramente abraçando a cruz de Cristo quando vivermos a nossa vida em doação para os outros.
Encerraremos com a oração da Coleta (oração que é feita pelo presidente da celebração, antes da primeira leitura) da celebração Eucarística do quarto domingo da Quaresma: “Ó Deus, que por vosso Filho realizais de modo admirável a reconciliação do gênero humano, concedei ao povo cristão correr ao encontro das festas que se aproximam, cheios de fervor e exultando de fé. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo”.
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