Desde que, no dia 11 de fevereiro, o papa Bento 16 anunciou que renunciará à Cátedra de São Pedro como Sumo Pontífice, no dia 28 de fevereiro, apareceram na mídia as manifestações mais diversas sobre o Papa e a Igreja. De repente, a Igreja Católica está novamente no centro das atenções, talvez até para a surpresa e irritação daqueles que achavam que ela já fosse página virada na história. Muitas dessas manifestações são compreensíveis apenas a partir de posições preconceituosas em relação à Igreja, que não vão além de retirar da gaveta (ou da internet) velhos fichários, aplicando-os às circunstâncias presentes de maneira inapropriada e até injusta. Quanta especulação em torno da renúncia do Papa!
Mas quem leu as palavras do próprio Bento 16, ao apresentar sua intenção de renunciar diante de um grupo de cardeais? Elas foram logo sendo colocadas de lado ou postas sob suspeita, como não verdadeiras, e todas as atenções voltaram-se para as teses de supostos “entendidos” nas coisas do Vaticano, mais sabedores das intenções do Papa que ele próprio!
Será que o Papa não merece mais respeito e crédito naquilo que disse em seu comunicado, emitido somente depois de longa e conscienciosa reflexão e oração diante de Deus? Falaram de tribuna os críticos do Papa e da Igreja; mereceriam eles mais fé que o próprio Papa, quando fala da sua intenção de renunciar e dos motivos que o levaram a isso? Algumas considerações dão a impressão de não distinguir entre o que é fantasia de romance e de cinema e o que é a realidade mesma. Como é importante, nesses momentos, ir às fontes, ao texto original, e não se basear em conceitos e considerações várias vezes recicladas, até perderem a aderência ao fato que lhes deram origem!
A verdade é que o próprio Bento 16 havia aludido, há cerca de dois anos, a possibilidade da renúncia no livro de entrevistas dadas a um jornalista alemão, publicado em português com o título - “Luz do Mundo”. Por outro lado, embora a renúncia de um papa seja um fato novo para nós, essa possibilidade até está prevista no Código de Direito Canônico. O Papa teria renunciado por pressão de alguém? Tenho a certeza de que não foi por isso. Ele mesmo disse que tomou essa pesada decisão somente depois de rezar longamente e de examinar várias vezes a sua consciência diante de Deus. As suas condições de saúde, devidas também à idade, já não lhe permitiam mais levar adiante, de maneira adequada, a grande responsabilidade de sumo pontífice. Por isso, decidiu renunciar e pediu que os cardeais elejam um novo papa.
E como fica a Igreja? Deverá ter um novo papa, pois ela tem no papa o sucessor do apóstolo Pedro, a quem Jesus confiou o pastoreio universal das ovelhas do Supremo Pastor, Jesus Cristo. Como Pedro, o papa recebe de Cristo a missão de “confirmar os irmãos na unidade fé” e de ser o “primeiro” dentre os sucessores dos apóstolos, que são os bispos; estes, unidos ao papa, são responsáveis pela Igreja presente em cada uma de suas dioceses. Todos juntos e unidos ao papa, eles são responsáveis pela vida e a missão da Igreja inteira. Nossa Igreja não pode ficar por longo tempo sem o papa. E enquanto a sede de Pedro está vacante, a própria norma da Igreja prevê como deve acontecer tudo para eleger um novo papa.
Neste tempo, devemos colocar-nos em atitude de oração e pedir que o Espírito Santo aumente a nossa fé e conduza a Igreja na fidelidade a Cristo e seu Evangelho. O Espírito o faz através das mediações humanas, em que pode haver deficiências e falhas, como acontece em toda parte onde há pessoas e organizações humanas. No entanto, sendo o Espírito Santo a “alma da Igreja” e Aquele que a conduz de maneira sua, e misteriosa e segura, ela sempre consegue encontrar as respostas para as situações novas que vive.
As avaliações e análises sobre a Igreja, que a consideram simplesmente uma organização humana e não levam em conta essa realidade de fé, acabam sempre sendo deficientes. Só com o olhar da fé, e a partir de dentro dela, é que se pode compreender bem a Igreja. Ela faz parte daquele Mistério da Fé, relacionado diretamente com o desígnio e a ação de Deus salvador e com o Mistério de Jesus Cristo Salvador.
Publicado em O SÃO PAULO, ed. de 19.02.2013
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo
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