"Maria, contudo, conservava
cuidadosamente todos esses acontecimentos
e os meditava em seu coração"
(Lc
2,19)
O ícone da Virgem da Ternura nos faz mergulhar no profundo mistério da
união íntima entre Jesus e a Virgem Maria. Na igreja oriental os ícones são
compreendidos com o mesmo valor de sacralidade das Sagradas Escrituras, por
isso, para eles, o ícone não é pintado, mas escrito por um iconógrafo, que,
após passar um longo período meditando um texto bíblico, acompanhado de jejum e
oração, escreve-o (pinta) sobre a madeira.
O ícone que está na capa deste livro é a reprodução de um ícone original que
foi adquirido em Éfeso, na Turquia, no local que é conhecido como “A casa de
Nossa Senhora em Éfeso”. Nessa casa, segundo revelação a uma grande mística
chamada Anna Catherina Emmerick, foi
para onde o discípulo João levou a Virgem Maria após a morte de Jesus e ali
morou durante alguns anos. Hoje a casa tornou-se um lugar de peregrinação, que
tive a oportunidade de visitar em 2014. A essa casa também peregrinaram o Papa
Paulo VI, o Papa João Paulo II e o Papa Bento XVI.
A casa é bastante simples e o ambiente ao redor é muito bonito, em cima de uma
colina, nos fazendo experimentar uma grande paz, unida a uma profunda devoção
(ver foto na contra-capa).
Nos deteremos agora no ícone em si. Ele é um tríptico, isto é, dividido em 3
partes ligadas por dobradiças. Na parte central está a Virgem Maria com o
menino Jesus nos braços. Do lado esquerdo de quem olha, está o Arcanjo Miguel
vestido com uma túnica vermelha. Do lado direito, completando o tríptico, está
o Arcanjo Gabriel vestido de túnica azul.
Ao contemplarmos esse ícone, nossos olhos
são atraídos, ora para o olhar terno da Virgem Maria, ora para o rosto do
Menino Jesus, colado ao rosto de sua mãe. Esse movimento de atração se completa
pela ação da mão esquerda da Virgem Maria, direcionada a seu Filho. Essas três
imagens sintetizam a mensagem principal deste ícone, ao qual nos dedicaremos a
meditar.
Comecemos pelos rostos colados da mãe e do Filho, que revelam uma grau de
intimidade que jamais foi alcançado por qualquer criatura, seja do céu ou da
terra. O rosto é o sinal da nossa identidade, é aquilo que mais demonstra quem
somos. Jesus, ao encostar seu rosto no rosto de sua mãe, a transfigurou, isto
é, transmitiu a luz de sua identidade divina. A mesma luz revelada no Monte Tabor,
quando Ele convidou Pedro, Tiago e João a subir e no alto do monte começou a
rezar e se transfigurou diante deles (cf. Lc
9,28-36).
A transfiguração de Jesus no Monte Tabor é a
manifestação da sua identidade divina. Essa manifestação se deu através de um
mistério de luz, beleza e Palavra: a luz, que revela sua natureza divina; a
beleza, que atrai o ser humano e é a única que pode saciar o anseio de beleza
que existe no seu íntimo; a palavra do Pai, que do meio da nuvem, diz:
"este é meu Filho muito amado, ouvi-O" (Lc
9,35).
Ao permanecer com o rosto colado com Jesus, a Virgem Maria foi transfigurada
em beleza. Ela, docilmente, permitiu, pelo seu sim, que a beleza de Cristo se
impregnasse nela. Este sim é testemunhado no ícone pela presença do Arcanjo
Gabriel – à esquerda da Virgem, vestido de azul – pois foi ele quem anunciou à
Virgem Maria o plano do Pai de que ela seria a mãe do Salvador. E ela
respondeu: "eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a vossa
palavra" (Lc 1,38).
O sim da Virgem não ficou restrito ao
momento da Anunciação. Vemos isso em todo o evangelho da infância, no evangelho
de Lucas (cf. Lc 1-2); depois, nas Bodas de Caná
(cf. Jo
2,1-12), no evangelho de João, quando ela introduz Jesus na sua missão; e por
fim, ainda no evangelho de João, ela está de pé, ao lado da cruz de Jesus, em
fé ardente, esperança firme e caridade transbordante (cf. Jo
19,25-27). Nesse ícone toda a vida de união da Virgem Maria com seu filho está
sintetizada na imagem dos dois rostos unidos.
A presença do Arcanjo Miguel – vestido de
túnica vermelha – nos remete a passagem do livro do Apocalipse, que fala de
“uma mulher vestida de sol” (cf. Ap 12),
que os padres da Igreja sempre identificaram com a Virgem Maria; e o sol, o
próprio Jesus, aquele que é o Sol da justiça. Assim, a mulher vestida de sol,
está transfigurada em Cristo. Ela, desta forma, não transparece a si mesma, mas
um Outro, o próprio Cristo. E a frase de São Paulo, na carta aos Gálatas, chega
a seu ápice na pessoa da Virgem Maria: “já não sou eu que vivo, mas é Cristo
que vive em mim” (Gl 2,20).
É por isso que a Virgem Maria é a toda
bela, por refletir a beleza de Cristo sem nenhuma ruga ou mancha. Nesses dois
mil anos de fé cristã, vemos que essa beleza atrai os corações, porque no
coração humano há uma irresistível atração pelo belo. Contudo, pela ferida do
pecado, esta atração foi direcionada para belezas menores e, muitas vezes,
fugazes. A Virgem Maria é, assim, um caminho autêntico para recuperarmos o
verdadeiro caminho da beleza e atrair nossos sentidos e nossa inteligência para Deus.
Agora nos deteremos no olhar da Virgem da
Ternura. Ela transmite uma ternura ao nosso coração que é capaz de vencer sua
dureza, raivas, agressividade e toda e qualquer forma de amargura. Esse olhar é
fruto de sua união com seu Filho, especialmente nos momentos mais dolorosos, e
nos faz lembrar a profecia de Simeão na apresentação do Menino Jesus no templo,
quando ele diz: “quanto a ti, uma espada transpassará sua alma” (Lc
2,35). Apontando que a missão da Virgem Maria era estreitamente unida à doação
de vida do seu Filho.
A ternura é a virtude daqueles que vivem
os sofrimentos e as contradições desta vida com espírito de fé e assim
deixam-se consolar pelo próprio Deus. É isso que vemos nesse ícone: Jesus que
abraça a Virgem Maria para consolá-la, e ela se permite ser consolada
plenamente. É esse movimento que faz com que ela se torne toda terna. O
sofrimento, quando é rejeitado e não vivido na perspectiva da fé, gera revolta
e a consequência é a amargura, que é o contrário da ternura.
A ternura da Virgem Maria é o que atrai
os sofredores, os fracos e os pecadores, porque ela é a mãe da ternura. É essa
a experiência que vemos em todos os grandes Santuários Marianos do mundo, onde
aconteceram aparições da Virgem Maria, como: Guadalupe, no México; Fátima, em
Portugal; Lourdes e Salete, na França. E também em santuários que, por alguma
intervenção milagrosa de Deus, a imagem da Virgem Maria foi achada, como:
Aparecida, no Brasil e Montserrat, na Espanha. Além de outros Santuários
Marianos que também atraem grandes multidões. Em todos esses percebemos o poder
de atração que a ternura da Virgem Maria tem sobre nós, os nossos afetos e a
nossa vontade.
O olhar da Virgem da Ternura nesse ícone
nos atrai e conforta no meio das dores da nossa existência e nos remete para
Aquele que pode nos consolar. Sendo assim, a devoção a Nossa Senhora é a forma
mais humano de nos aproximarmos de Deus, porque nela encontramos uma de nós,
que se deixou transfigurar plenamente por Cristo.
Por fim, nos deteremos na mão esquerda da
Virgem da Ternura que aponta para Jesus. Podemos dizer ainda mais: nos oferece
Jesus. Ao contemplarmos o ícone, nosso olhar fica atraído para o olhar da
Virgem e para o movimento de suas mãos, que nos oferecem o Menino Jesus que
está nos seus braços. E nessa experiência, misteriosamente, Jesus é concebido
naquele que contempla o ícone. Assim, a Virgem Maria continua sua missão
recebida na anunciação: gerar Jesus. Como nos diz São Paulo: “os dons e o
chamado de Deus são irrevogáveis” (Rom 11,29).
A missão da Virgem Maria é continuar
gerando Jesus misticamente nos nossos corações, para que Ele possa: pensar,
sentir, falar e agir em nós e por meio de nós, até que também nós possamos
dizer como São Paulo: “já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gl
2,20).
Peçamos que o Espírito Santo, por meio do sim da Virgem Maria, gere Jesus nos
nossos corações, para que Ele possa viver plenamente em nós. Este ícone é um
caminho privilegiado para que esse processo se realize, por isso nos demoremos
diante dele, contemplando-o em espirito de fé, acolhendo a ação do Espirito
Santo e também dando o nosso sim a esta obra de transfiguração de Cristo na
nossa vida.
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