quarta-feira, 16 de março de 2011

A data da Última Ceia segundo Bento XVI


Abaixo segue uma parte do novo livro do Papa Bento XVI, onde ele fala sobre a controvérsia da data da Última Ceia:

1. A data da Última Ceia


O problema da datação da Última Ceia de Jesus assenta no contraste, a este respeito, entre os Evangelhos sinópticos, de um lado, e o Evangelho de João, do outro. Marcos, que Mateus e Lucas seguem no essencial, oferece a este propósito uma datação precisa. «No primeiro dia dos Ázimos, quando se imolava a Páscoa, os discípulos perguntaram-Lhe: “Onde queres que façamos os preparativos para comeres a Páscoa?” [...] Chegada a noite, Jesus foi com os Doze» (Mc 14, 12.17). A tarde do primeiro dia dos Ázimos, quando no templo se imolavam os cordeiros pascais, é a vigília da Páscoa. Segundo a cronologia dos sinópticos trata-se de uma quinta-feira.
Depois do ocaso, começava a Páscoa, e foi então consumida a ceia pascal por Jesus com os seus discípulos, bem como por todos os peregrinos idos a Jerusalém. Na noite de quinta para sexta-feira – sempre segundo a cronologia sinóptica –, Jesus foi preso e apresentado ao tribunal, na manhã de sexta-feira foi condenado à morte por Pila- tos e sucessivamente, «pela hora tércia» (cerca das nove da manhã), foi crucificado. A morte de Jesus deu-se à hora nona (cerca das três horas da tarde). «Ao cair da tarde, visto ser a Preparação, isto é, véspera do sábado, José de Arimateia [...] foi corajosamente procurar Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus» (Mc 15, 42-43). A sepultura devia fazer-se ainda antes do ocaso porque depois começava o sábado. O sábado é o dia do repouso sepulcral de Jesus. A ressurreição tem lugar na manhã do «primeiro dia da semana», no domingo.
Esta cronologia vê-se comprometida pelo seguinte problema: o processo e a crucifixão de Jesus teriam acontecido na festa da Páscoa, que naquele ano calhava na sexta-feira. É verdade que muitos estudiosos procuraram demonstrar que o processo e a crucifixão eram compatíveis com as prescrições da Páscoa. Mas, não obstante toda a erudição, resta problemático que, naquela festa muito importante para os judeus, fossem admissíveis e possíveis o processo diante de Pilatos e a crucifixão. Aliás, esta hipótese vê-se obstaculizada também por uma informação fornecida por Marcos. Afirma ele que, dois dias antes da festa dos Ázimos, os sumos sacerdotes e os escribas procuravam maneira de se apoderarem de Jesus à má-fé para O matarem, mas a propósito declaravam: «Durante a festa não, para que o povo não se revolte» (14, 2; cf. v. 1). Segundo a cronologia sinóptica, porém, a execução capital de Jesus terá de facto tido lugar precisamente no dia da festa.
Vejamos agora a cronologia joanina. João tem o cuidado de não apresentar a Última Ceia como ceia pascal. Pelo contrário, as autoridades judaicas, que levam Jesus ao tribunal de Pilatos, evitam entrar no pretório «para não se contaminarem e poderem celebrar a Páscoa» (18, 28). A Páscoa começa apenas ao entardecer; durante o processo, ainda se está a pensar na ceia pascal; processo e crucifixão têm lugar no dia antes da Páscoa, na parasceve, a «preparação», e não na própria festa. Naquele ano, portanto, a Páscoa estende-se do ocaso de sexta-feira até ao ocaso de sábado, e não do entardecer de quinta-feira até ao entardecer de sexta-feira.

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